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Caso Assange: anúncio de uma guerra?

A invasão de uma embaixada equivaleria à uma declaração de guerra e é considerada um ato abjeto nas relações internacionais, pois passa por cima do diálogo

Raphael Tsavkko Garcia
Refugiado há 8 semanas na Embaixada do Equador em Londres, Julian Assange pode virar o pivô de uma crise maior do que meramente diplomática e de troca de acusações e ofensas. A Inglaterra, em carta enviada ao governo do Equador, ameaçou invadir a embaixada caso Assange receba asilo.
Em meio à crise, o asilo político foi garantido pelo chanceler equatoriano, Patiño, e a disputa promete ser quente.
A atitude - a invasão de uma embaixada - equivaleria à uma declaração de guerra e é considerada um ato abjeto nas relações internacionais, pois passa por cima do diálogo e se torna imediatamente uma invasão hostil de território soberano. É sempre válido lembrar que Embaixadas são consideradas territórios soberanos dos países que ali mantém sua representação, e qualquer ameaça a esse território é uma ameaça ao Estado em si.
Em 2011, a Inglaterra havia repudiado fortemente a invasão da embaixada de seu país por parte da população iraniana, mas parece ter deixado este episódio para trás e, agora, o repete, mas com um agravante: não se trata de população enfurecida, sem controle estatal, mas sim de uma ordem expressa de um governo, de um Estado.
Uma declaração de guerra que deve ser respondida duramente não apenas pelo Equador, mas por todos os países da América Latina, pois seria impensável tal invasão em uma embaixada de país europeu ou dos EUA. Ainda há a mente colonial e colonizadora da Inglaterra e de outras potências, que acreditam terem o direito sagrado de ingerência nos interesses do "terceiro mundo".
Na carta divulgada pelo site equatoriano Telégrafo, se lê: "devem estar conscientes de que há uma base legal no Reino Unido - a Lei sobre Instalações Diplomáticas e Consulares de 1987 (Diplomatic and Consular Premises Act 1987) — que nos permitiria tomar ações para prender o Sr. Assange nas instalações atuais da embaixada".
Infelizmente - para a Inglaterra - internacionalmente esta "base legal" não tem, enfim, nenhuma base legal.
Historicamente, indivíduos perseguidos se refugiam em embaixadas em busca de garantir sua segurança, sua vida e é considerado um ato de guerra a invasão. Apesar das regras, normas e leis internacionais, o visível escárnio da Inglaterra e sua legislação doméstica própria - na contramão do direito internacional - demonstram que, no fim, trata-se da disputa entre um pequeno Estado latino-americano e um império que não aceita morrer.
A UNASUL, a OEA e cada país da região, individualmente, precisam denunciar e repudiar essa movimentação inglesa hostil e este tratamento colonial dado ao Equador. Não é a primeira vez que a Inglaterra age contra os interesses da América Latina, pois o caso das Malvinas é emblemático e já dura décadas. Em ambos os casos a Inglaterra busca atentar contra a soberania de países da região.
A grande questão, porém, é o que a América Latina pode fazer. Sanções contra a Inglaterra prejudicariam, provavelmente, os próprios retaliadores, ao passo que a Inglaterra escaparia ilesa. No máximo, os cidadãos ingleses poderiam sentir alguma marola, mas nada significativo. E, obviamente, uma resposta armada está descartada.
Porém, uma expulsão coletiva de embaixadores e representações diplomáticas britânicas por toda a América Latina poderia surtir algum efeito político ou ao menos algum constrangimento aos invasores ingleses, assim como reacender e fortalecer a discussão sobre as Malvinas.
E, obviamente, seria interessante esperar um repúdio transformado em manifestações populares na própria Inglaterra, por parte dos cidadãos daquele país, buscando constranger e condenar seu governo.
É preciso, porém, compreender as possíveis razões para tamanha hostilidade e clara ameaça ao direito internacional por parte da Inglaterra "apenas" por causa de um homem. Não estamos falando de Bin Laden ou de um "terrorista" internacional, mas de alguém que apenas fez o trabalho que a mídia internacional preferiu não fazer, cooptada por empresários, governos e cotas de patrocínio.
Assange se limitava a vazar informações que, em outros tempos, a mídia teria se esforçado para obter. E muitas destas informações são sensíveis e com repercussão avassaladora para certos governos, especialmente aliados dos EUA e Inglaterra. Mas o principal não é sequer a informação, mas o fato do WikiLeaks e de Assange não aceitarem se submeter às "regras" do jornalismo marrom dominante e de usarem a internet de forma libertária.
A possibilidade de "imitadores", de gente repetindo a ideia central do WikiLeaks, é que torna a prisão do ativista - e talvez mesmo a sua morte na cadeia, seja ainda na Inglaterra ou na Suécia, para onde seria deportado sob falsas acusações - algo tão importante e emblemático. Não apenas corta-se o mal pela raiz, como dá-se uma lição e manda-se um recado: se não quiserem ter o mesmo destino, submetam-se.
O asilo político foi garantido na tentativa de preservar a vida de Assange, resta saber quais serão os próximos passos da Inglaterra.
Raphael Tsavkko Garcia é bacharel em Relações Internacionais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e mestre em comunicação pela Faculdade Cásper Líbero.

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