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Pesquisas e resultados de encomenda

Marcos Coimbra

Na primeira aula do curso de pesquisa de opinião, o aluno aprende as coisas básicas da profissão. Uma é ter cuidado com as perguntas indutivas. É esse o nome que se dá às que são formuladas com um enunciado que oferece informação ao entrevistado antes que responda.
 
Há diversos tipos de indução, alguns dos quais muito comuns. Quem não conhece, por exemplo, a pergunta chamada de “voto estimulado”, feita habitualmente nas pesquisas eleitorais? Ela solicita ao respondente que diga em quem votaria, tendo em mãos uma lista com o nome dos candidatos.

É claro que, assim procedendo, avalia-se coisa diferente do “voto espontâneo”.

Para diminuir o risco de que a indução conduza os entrevistados a uma resposta, recomenda-se evitar que o pesquisador leia nomes. Mesmo inadvertidamente, ele poderia sugerir alguma preferência, seja pela ordem de leitura, seja por uma possível ênfase ao falar algum nome. Daí, nas pesquisas face a face, o uso de cartões circulares, onde nenhum vem antes.

Essa cautela – e outras parecidas – decorre da necessidade de ter claro o que se mede. Sem ela, podemos confundir o significado das respostas.

Dependendo do nível de indução, o resultado da pesquisa pode apenas refletir a reação ao estímulo. Em outras palavras, nada nos diz a respeito do que as pessoas genuinamente pensam quando não estão submetidas à situação de entrevista.

Para ilustrar, tomemos um exemplo hipotético. Vamos imaginar que alguém quer saber se as pessoas lamentaram a derrota da equipe de vôlei masculino na disputa pela medalha de ouro na Olimpíada. A forma “branda” de perguntar talvez fosse começar solicitando que dissessem se souberam do resultado e como reagiram – sem informar o placar.

Outra, de indução “pesada”, seria diferente. A pergunta viria a seguir a um enunciado do tipo “O sr./a sra. ficou triste ao saber que o Brasil perdeu para a Rússia, depois de liderar o jogo inteiro e precisar apenas um ponto para se sagrar campeão olímpico?”.

Nessa segunda formulação, ela não somente induz um sentimento (mencionando a noção de “tristeza”), como oferece um motivo para ele (a ideia de ter estado perto de alcançar algo desejável).

É muito provável que os resultados das duas pesquisas fossem diferentes. Na primeira, teríamos a aferição da resposta espontânea – e mais real. Na segunda, a mensuração de uma reação artificialmente inflada. Em última instancia, fabricada pela própria entrevista.

É o que aconteceu com a recente pesquisa do Datafolha sobre os sentimentos da opinião pública a respeito do “mensalão” e seu julgamento.

Contrariando o que se esperaria de um instituto subordinado a um jornal, não deixa de ser curioso que decidisse fazer seu primeiro levantamento sobre o assunto 10 dias depois do início do processo no Supremo. Dez dias depois de ter sido pauta obrigatória nos órgãos da “grande imprensa”. Dez dias depois de um noticiário sistematicamente negativo – como aferiram observadores imparciais.

Preferiu pesquisar só depois que a opinião pública tivesse sido “aquecida”. Foi à rua medir o fenômeno produzido.

Não bastasse a oportunidade, a pesquisa abusou de perguntas indutivas, que tendiam a conduzir os entrevistados a determinadas respostas. Como diz a literatura em língua inglesa, fornecendo-lhes “pistas” sobre as respostas “corretas”.

Mas o mais extraordinário foi seu uso editorial, na manchete que ressaltava que a maioria desejava que os acusados fossem “condenados e presos”.

Parecia de encomenda: embora o resultado mais relevante da pesquisa fosse mostrar que 85% dos entrevistados sabiam pouco ou nada do assunto, o que interessava era afirmar a existência de um desejo de punição severa.

E quem se importa com o que estabelecem as normas das boas pesquisas?

Fonte: Correio Braziliense

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