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O lulismo e as crises de Dilma

Por Carlos Alberto Bello -  CarosAmigos

Denúncias de corrupção afastaram importantes quadros do PT do governo Lula, que conseguiu fazer sua sucessora. Desde o início do seu mandato, o governo Dilma vem sendo atingido por denúncias que já alcançaram muitos ministérios. Postula-se aqui que a continuidade de denúncias decorre da essência de ambos os governos, descartando explicá-las pelo caráter dos indivíduos inseridos no aparelho de Estado.

Ambos os governos expressam o lulismo, ou seja, uma combinação entre concessões às classes populares e compromissos com a expansão do capitalismo. Estas concessões possibilitaram ampla margem de manobra para atender aos interesses dos dominantes o que, no contexto de um razoável crescimento do emprego e da renda, permitiu ao lulismo conquistar maioria eleitoral sem depender de qualquer partido, já que ele não nasceu do PT que, embora tenha crescido, está longe de ter desempenho semelhante. O lulismo estabeleceu uma relação direta com a sociedade sem contar com a mediação dos partidos, nutrindo-se da ausência de debates públicos sobre os rumos da nação, fruto da combinação supracitada e da fragilidade da oposição.

Coalizão artificial

Tais características do lulismo, notadamente sua capacidade de contemplar distintos interesses a ponto de não ter oposição significativa na sociedade, permitem a constituição de uma ampla coalizão de partidos de apoio ao governo. Entretanto, essa mesma capacidade sugere que os partidos da base de apoio podem participar do governo sem abrir mão dos interesses dos distintos segmentos sociais e grupos políticos com os quais estão comprometidos. Logo, trata-se de uma coalizão artificial entre partidos sem coerência programática ou ideológica, plausível apenas pelo sucesso do lulismo.

"Trata-se de uma coalizão artificial entre partidos sem coerência programática ou ideológica, plausível apenas pelo sucesso do lulismo"


Qualquer coalizão implica competição entre os partidos pelos espaços de poder no Estado. Atualmente, ela tende a se acirrar não apenas em função da artificialidade da coalizão de apoio a Dilma; a ausência de debates públicos distancia os partidos da sociedade, orientando a busca pelo poder, sua finalidade essencial, para a luta por obtenção de recursos para fortalecer sua estrutura e sua imagem pública, o que depende de sua inserção no aparato estatal. Considerando ainda a contenção de gastos implantada pelo governo Dilma, a competição entre os partidos tende a aumentar muito, no limite apontando para uma guerra de todos contra todos pela obtenção de recursos, conflitos que se dão inclusive entre os diversos grupos componentes de cada partido.

Dependente de Lula

No contexto de intenso uso do aparato estatal pelos diversos grupos políticos, as denúncias de corrupção indicam maior malversação de recursos e sugerem que o crescimento das denúncias decorre em boa medida da competição entre tais grupos, além do interesse da mídia na divulgação de fatos impactantes e da maior efetividade dos órgãos federais de controle e fiscalização (CGU, TCU e Ministério Público).
As crises associadas a tais denúncias são maiores do que as crises vividas por Lula, haja vista que apenas um dos oito ministérios (incluindo secretarias e órgãos com esse status) alterados em seu primeiro ano (até janeiro de 2004) – a saída de Benedita da Silva da Assistência Social – esteve ligada a denúncias de corrupção. Parece evidente a incapacidade de Dilma conter a competição entre os partidos, talvez em função de ela não ter história de militância no PT, força eleitoral ou apoios sociais próprios, o que a torna altamente dependente de Lula. Apesar disso, Dilma tenta impor disciplina ao afã competitivo dos grupos políticos através de punições que parecem contrariar o estilo acomodatício de Lula, o que tende a enfraquecer o poder efetivo do governo.

De todo modo, não se trata de fenômenos ligados apenas ao governo Dilma, uma vez que pelo menos cinco ministros saíram dos governos Lula em função de denúncias – pontificando os poderosos petistas José Dirceu, Antônio Palocci e Luis Gushihen. A competição entre os grupos políticos foi bastante acirrada ente 2003 e 2010, mesmo não sendo a única explicação para a elevada rotatividade ministerial (apenas três dos 32 ministros iniciais permaneceram em seus cargos e cada ministro ficou em média três anos em seu cargo, revelando ter havido 85 ministros no período).

As denúncias de corrupção e a elevada rotatividade ministerial se devem ao lulismo, notadamente por ele fomentar uma ausência de debates públicos, logo o distanciamento dos partidos frente à sociedade, negando a política enquanto expressão de discussões sobre os rumos da nação. Dificilmente haverá outro relacionamento entre governo e partidos enquanto permanecer este padrão de relações entre governo e sociedade. O governo Dilma poderá continuar tendo dificuldades, se não contar com lideranças capazes de conter o afã competitivo dos partidos. Talvez nem mesmo elas sejam capazes de evitar uma profunda crise política, caso haja abalo relevante na combinação que sustenta o lulismo, cenário possível face à crise econômica mundial.

* Carlos Alberto Bello é professor do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal de São Paulo, campus Guarulhos e pesquisador do Cenedic (Centro de Estudos dos Direitos da Cidadania), da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo

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