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Por um cimena violento

Por Camila moares - Opera Mundi

Realmente nada se compara à frieza das más estatísticas. Claras e corrosivas feito ácido, chegam cortando e depois do corte se vão, deixando rastros de dor que aos poucos procuramos esquecer ou esconder.

No último dia 13 de janeiro, uma ONG mexicana chamada Conselho Cidadão para a Segurança publicou o resultado de uma pesquisa realizada anualmente em forma de ranking, no qual figuram as cidades mais violentas do mundo. Os dados que ela traz são cáusticos: das 50 cidades mais violentas, 40 estão na América Latina. Isso significa que se houvesse um lugar no qual as regras de convivência louvassem o constrangimento moral e físico, a falta de liberdade, a opressão e a tirania, ele corresponderia, sem por muito ou tirar, ao que é o subcontinente latino-americano hoje.

E se esse lugar fosse um país, ele poderia ser algo semelhante ao Brasil. O estudo da Conselho Cidadão diz que 14 cidades das mais violentas do mundo estão aqui, outras 12 estão no México e cinco, na Colômbia. Manaus ocupa o terceiro lugar absoluto e é a primeira do subranking brasileiro, que ainda inclui Fortaleza, Vitória, Belo Horizonte, Curitiba e outras cidades espalhadas pelo país inteiro.

Ignorando essa informação, pergunte a um brasileiro qual desses três países – Brasil, México ou Colômbia – ele acha que é o mais violento. Arrisco dizer que a resposta seria a Colômbia. Se ele for leitor assíduo de notícias, pode escolher o México, que hoje ocupa o antigo papel colombiano nos jornais em geral, de vilão do narcotráfico. A questão é: México e Colômbia vivem em seu cotidiano os horrores de guerras criadas ao redor do crime organizado – e não sonham, e nem podem, em negar a violência que lhes toca. Enquanto isso, por que o brasileiro se julga boa gente e pacífico?

Especulcar as razões dessa percepção é algo provavelmente mais complexo que investigar as causas da violência na América Latina. O mais cego dos latino-americanos é capaz de reconhecer que a pobreza, a economia das drogas, a corrupção e a impunidade, além da própria economia da guerra, são responsáveis pela fundação dessa terra tirana. O desafio, porém, não parece ser ver o mal, mas falar dele: ir além das frias estatísticas e elaborar discursos que traduzam e transcendam um ranking facilmente esquecido.
O cinema poderia assumir parte dessa missão.

Na Colômbia, brada-se contra os filmes que falam da realidade violenta do país, como já comentei neste espaço. Ainda que os crimes absurdos da guerrilha, dos paramilitares e, inclusive, do estado ainda vigorem, o colombiano costuma achar que o cinema se desprende dessa realidade. Ele tem a função de entreter e só, longe de ter que se responsabilizar por qualquer reflexão, quanto menos exigir que os espectadores reflitam sobre o que já veem em excesso na ruas e nos jornais. Talvez seja na literatura que os colombianos prefiram expurgar seus males. Estão aí romances como o elogiadíssimo “Os exércitos”, de Evelio Rosero, editado no Brasil em 2010, para comprovar.

Já no México, o cinema pesana balança. “Miss Bala”, um dos filmes latinos mais premiados em 2011, exibido e elogiado em Cannes, Toronto e em outros festivais importantes, é um dos exemplos no país de um cinema dedicado a mostrar o que muitas vezes o crime organizado (com retaliações) e o governo (mascarando índices de violência) tratam de esconder.


Dirigida por Gerardo Naranjo, que tem outros três longas-metragens no currículo, a história é protagonizada por Laura (Stephanie Sigman), uma candidata a miss que cai acidentalmente nas mãos de um bando de traficantes e, apesar de não ter relação com eles, não consegue escapar. Devastada, ela se limita à resignação. “Nossa sociedade atua desta forma”, afirmou o cineasta sobre o filme, quefaz uma reflexão sobre o estado de ânimo nacional quando o México completa seis anos de combate do governo contra os narcotraficantes. Desde 2006, já foram contabilizados cerca de 50 mil vítimas da “guerra às drogas”. “Não há saída”, ele opina, no mesmo tom.

Uma importante referência recente deste “violento” cinema mexicano é a comédia negra “El infierno” (disponível em partes do You Tube), de Luis Estrada, que conquistou elogios do público e alta bilheteria em 2010. A ela se somam importantes documentários como “El velador”, de Natalia Almada, “Reportero”, de Bernardo Ruiz, e “El lugar más pequeno”, da salvadorenha(radicada no México) Tatiana Huezo, que voltou ao seu país de origempara falar deviolência – e da capacidade do ser humano de se reconstruir depois de viver algo terrível.


No Brasil, onde 14 cidades estão entre as mais violentas do mundo, também escrevemos livros e realizamos filmes. Mas, sobre todas essas coisas, preferimos mesmo é esquecer as estatísticas e posar de boa gente. 

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