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França, da esquerda à direita

Por Emir Sader

Engels chamou a França de “laboratório de experiências politicas”. A França era o reino da política, assim como a Alemanha da filosofia e a Inglaterra da economia.

A Alemanha, segundo Marx, não conseguia livrar-se do velho regime, como a França havia feito. Canalizava, de forma compensatória, todas suas energias para a cultura e a filosofia, produzindo gênios como Goethe, Beethoven, Bach, Kant, Hegel, entre outros. Marx desenhava a Alemanha como uma pessoa com um corpo esquálido e uma cabeça enorme.

A Inglaterra era o reino da economia, porque a burguesia tinha conseguido abrir espaço para a acumulação de capital antes que nos outros países, transformando em mercadorias a terra e a força de trabalho – elementos fundamentais para a reprodução do capitalismo emergente. Marx foi à Inglaterra para compreender “as leis gerais da acumulação capitalista”, que lá haviam adquirido sua forma mais avançada no seu tempo.

Na França tudo se dava politicamente da forma mais exacerbada, a começar pela revolução de 1789, seguida pelos movimentos de 1830, de 1848, pela Comuna de Paris de 1871, pelo governo de Frente Popular de 1936, pelas barricadas de 1968. Ao mesmo tempo a França se constituía no bastião mais progressista e criativo do ponto de vista teórico.

Poucas décadas depois a França se tornou o bastião do pensamento conservador em toda a Europa. Houve uma grande virada à direita, atrás dessa passagem da hegemonia de esquerda à hegemonia da direita. Um momento fundamental foi a eleição de François Mitterrand, em 1971, o velho sonho da esquerda francesa do segundo pós-guerra finalmente realizado, com um governo socialista-comunista.

Depois de ter avançado em pontos essenciais do programa histórico da esquerda – incluindo o fortalecimento do Estado, nacionalização de empresas estratégicas -, já no seu segundo ano Mitterrand promoveu uma virada, que implicava que a França deixava de representar politicamente uma referencia de esquerda, para somar-se, de forma subordinada ao eixo EUA-Inglaterra. A França – e os outros países do continente em seguida – preferiram ser aliados subordinados do eixo anglo-norteamericano a ser polo alternativo e manter sua relação de solidariedade com os países da periferia.

Essa virada se fez notar imediatamente na intelectualidade, na mídia, nas editoras, nas livrarias – no pensamento predominante, em geral. Saiu de cena o intelectual comprometido e solidário como Sartre, para ser substituído por personagens midiáticos como Bernard Henri-Levy. O Le Monde, que havia sido o melhor jornal do mundo, piorou consideravelmente, na orientação e na qualidade das matérias, tornando-se um jornal entre vários outros. As livrarias sofreram um processo de vulgarização, são hoje as menos interessantes na Europa, quando antes haviam sido as mais interessantes.

Com a morte de Pierre Bourdieu, a França perdeu seu ultimo grande intelectual com grande capacidade de elaboração teórica, de intervenção nos maiores debates políticos e de mobilização concreta de jovens pesquisadores e de estudantes. Continuam a haver bons intelectuais na França, a maior parte de economistas marxistas, ou filósofos, alguns dentre eles sobreviventes do grupo de Althusser – como Badiou, Ranciere, Balibar. A esquerda radical perdeu muito com a morte de Daniel Bensaid, sua melhor cabeça.

No essencial, a direita impôs sua hegemonia também no campo intelectual, refletida na tv, nos jornais, nos centros de estudo, nas livrarias, no cinema, no movimento cultural em geral. Terminaram varias revistas progressistas, o estilo de intelectual midiático se impõe na formação da opinião publica. O longo governo Mitterrand representou essa transição e os governos Chirac e Sarkozy sua consolidação à direita.

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