Estava na hora de centrais sindicais em países como a Alemanha e a França chamarem jornadas de solidariedade com os trabalhadores gregos, talvez dos portugueses e espanhóis também. Será isso possível? Tenho dúvidas. Se os ouvidos no Parlamento de Atenas são moucos, no restante da Europa eles são poucos.
Flávio Aguiar - Carta Maior
O fim de semana foi agitado na Europa. As estimativas falam em 200 ou 300 mil pessoas nas ruas de Lisboa e 100 mil em Atenas, sendo que na Grécia os protestos atingiram também Corfu e Chipre. Na capital grega houve confronto com a polícia, com 120 feridos e mais de uma centena de
prisões e detenções.
Na Espanha os trabalhadores da empresa Ibéria estão em greve, e centenas de vôos tiveram de ser cancelados. E está prevista uma greve geral a partir do dia 19.
Enquanto isso, “soberanamente”, os parlamentares gregos aprovaram por 199 votos a 74, as medidas impostas pelo novo pacote de “ajuda”, impostas pela “Troika”: Comissão Européia, FMI, e Banco Central Europeu.
Evangelos Venizelos, em discurso perante o parlamento, disse que entre o ruim e o pior, deve-se escolher o ruim. Lucas Papademos, o primeiro-ministro interventor, exortou os parlamentares a aprovar o pacote para evitar uma “catástrofe”, como se ela já não estivesse em curso.
Ambas as declarações merecem alguma análise. O que exatamente seria “o pior”, ou “a catástrofe”?
A pergunta é inseparável da sua complementar: para quem uma alternativa seria “o pior”, ou “uma catástrofe”?
A resposta óbvia é que uma alternativa seria o pior e uma catástrofe para, em primeiro lugar, políticos como Venizelos e Papademos, que seriam simplesmente apeados do pedestal onde estão, acima dos cidadãos gregos assoberbados pelas medidas sufocantes da economia, de suas vidas e de seus sonhos. Desde esse pedestal que os coloca por ora acima da turbulência, eles só têm ouvidos para Bruxelas, Frankfurt e Berlim. Mas isso não elimina a sua responsabilidade.
O que eles representam, afinal? É fácil, além de óbvio, olhar para Papademos e dizer que ele representa a tecnocracia de Bruxelas e Frankfurt, insuflada a partir de Berlim e Paris, nessa ordem.
Mas isso não explica tudo.
Ambos representam uma prática política incrustada na Grécia, a que nem Yorgios Papandreou conseguiu escapar (embora tentasse, em sua agonia final), de leniência com uma elite acostumada à sonegação contumaz, a práticas correntes de corrupção, e à redução do estado grego a um estado de bancarrota política, que finalmente acabou levando ao estado falimentar do governo e da economia do país.
Se a Grécia assumisse um caminho alternativo – nessa altura, o de decretar legalmente a falência factual que já existe – os políticos que navegam sobre aquela prática política seriam varridos do mapa. Não se sabe quem os substituiria, se o Partido Comunista Grego, votado ao ostracismo pelo Ocidente desde o fim da Segunda Guerra, ou se algum movimento de extrema-direita, que também está em crescimento na Grécia.
Todo mundo sabe que a Grécia está falida, e que as medidas previstas só aumentarão o tamanho do buraco em que ela está mergulhada. Em 2008, quando a crise trovejava no horizonte e ninguém queria escutar, o PIB grego era de 233 bilhões de euros e a dívida, 263 bi, ou seja, 113% daquele. Hoje, depois das “ajudas” recebidas, o PIB grego (2011) caiu para 218 bi, e a dívida saltou para 355 bi, 163% em relação ao primeiro.
A estrutura dessa dívida é muito desigual: 95 bi são em empréstimos diretos, de outros países da Europa ou não, e do FMI. 260 bi são em Letras do Tesouro, e aqui é que a coisa aperta, porque elas vencem com precisão de relógio suíço (ou alemão, nessa altura). 55 bi são do Banco Central Europeu, que não abre mão de um mísero centavo. 205 bi pertencem ao setor privado (fundos de investimento, fundos de pensão, bancos gregos e europeus). Quase 15 bi devem ser saldados até meados de março, e a Grécia não tem esse dinheiro. Se eles não forem pagos, a bancarrota, já conhecida, será proclamada.
E isso serão fim dos Papademos e Venizelos, além de outros que irão na enxurrada.
É possível que alguma enxurrada venha nas eleições de abril, isso se elas não forem postergadas e o mandato de Papademos Sociedade Anônima, prorrogado. Ainda não se sabe para que lado ela irá. A esquerda vai crescer, mas desunida como quase sempre, não terá chance de formar um governo. Esse seria formado pela direita, mas minoritário no Parlamento.
Se assim for, vai ser a continuação do presente impasse cada vez mais caótico.
Enquanto isso, apesar das vozes de analistas cada vez mais numerosos na mídia, reina um silêncio quase tumular em outras praças européias.
Estava na hora, por exemplo, de centrais sindicais em países como a Alemanha e a França, chamarem jornadas de solidariedade com os trabalhadores gregos, talvez dos portugueses e espanhóis também. Será isso possível? Tenho dúvidas. Se os ouvidos no Parlamento de Atenas são moucos, no restante da Europa eles são poucos.
Quem sabe, por exemplo, as centrais brasileiras e outras latino-americanas poderiam tomar a iniciativa, e soprar isso nos ouvidos de suas congêneres européias?
prisões e detenções.
Na Espanha os trabalhadores da empresa Ibéria estão em greve, e centenas de vôos tiveram de ser cancelados. E está prevista uma greve geral a partir do dia 19.
Enquanto isso, “soberanamente”, os parlamentares gregos aprovaram por 199 votos a 74, as medidas impostas pelo novo pacote de “ajuda”, impostas pela “Troika”: Comissão Européia, FMI, e Banco Central Europeu.
Evangelos Venizelos, em discurso perante o parlamento, disse que entre o ruim e o pior, deve-se escolher o ruim. Lucas Papademos, o primeiro-ministro interventor, exortou os parlamentares a aprovar o pacote para evitar uma “catástrofe”, como se ela já não estivesse em curso.
Ambas as declarações merecem alguma análise. O que exatamente seria “o pior”, ou “a catástrofe”?
A pergunta é inseparável da sua complementar: para quem uma alternativa seria “o pior”, ou “uma catástrofe”?
A resposta óbvia é que uma alternativa seria o pior e uma catástrofe para, em primeiro lugar, políticos como Venizelos e Papademos, que seriam simplesmente apeados do pedestal onde estão, acima dos cidadãos gregos assoberbados pelas medidas sufocantes da economia, de suas vidas e de seus sonhos. Desde esse pedestal que os coloca por ora acima da turbulência, eles só têm ouvidos para Bruxelas, Frankfurt e Berlim. Mas isso não elimina a sua responsabilidade.
O que eles representam, afinal? É fácil, além de óbvio, olhar para Papademos e dizer que ele representa a tecnocracia de Bruxelas e Frankfurt, insuflada a partir de Berlim e Paris, nessa ordem.
Mas isso não explica tudo.
Ambos representam uma prática política incrustada na Grécia, a que nem Yorgios Papandreou conseguiu escapar (embora tentasse, em sua agonia final), de leniência com uma elite acostumada à sonegação contumaz, a práticas correntes de corrupção, e à redução do estado grego a um estado de bancarrota política, que finalmente acabou levando ao estado falimentar do governo e da economia do país.
Se a Grécia assumisse um caminho alternativo – nessa altura, o de decretar legalmente a falência factual que já existe – os políticos que navegam sobre aquela prática política seriam varridos do mapa. Não se sabe quem os substituiria, se o Partido Comunista Grego, votado ao ostracismo pelo Ocidente desde o fim da Segunda Guerra, ou se algum movimento de extrema-direita, que também está em crescimento na Grécia.
Todo mundo sabe que a Grécia está falida, e que as medidas previstas só aumentarão o tamanho do buraco em que ela está mergulhada. Em 2008, quando a crise trovejava no horizonte e ninguém queria escutar, o PIB grego era de 233 bilhões de euros e a dívida, 263 bi, ou seja, 113% daquele. Hoje, depois das “ajudas” recebidas, o PIB grego (2011) caiu para 218 bi, e a dívida saltou para 355 bi, 163% em relação ao primeiro.
A estrutura dessa dívida é muito desigual: 95 bi são em empréstimos diretos, de outros países da Europa ou não, e do FMI. 260 bi são em Letras do Tesouro, e aqui é que a coisa aperta, porque elas vencem com precisão de relógio suíço (ou alemão, nessa altura). 55 bi são do Banco Central Europeu, que não abre mão de um mísero centavo. 205 bi pertencem ao setor privado (fundos de investimento, fundos de pensão, bancos gregos e europeus). Quase 15 bi devem ser saldados até meados de março, e a Grécia não tem esse dinheiro. Se eles não forem pagos, a bancarrota, já conhecida, será proclamada.
E isso serão fim dos Papademos e Venizelos, além de outros que irão na enxurrada.
É possível que alguma enxurrada venha nas eleições de abril, isso se elas não forem postergadas e o mandato de Papademos Sociedade Anônima, prorrogado. Ainda não se sabe para que lado ela irá. A esquerda vai crescer, mas desunida como quase sempre, não terá chance de formar um governo. Esse seria formado pela direita, mas minoritário no Parlamento.
Se assim for, vai ser a continuação do presente impasse cada vez mais caótico.
Enquanto isso, apesar das vozes de analistas cada vez mais numerosos na mídia, reina um silêncio quase tumular em outras praças européias.
Estava na hora, por exemplo, de centrais sindicais em países como a Alemanha e a França, chamarem jornadas de solidariedade com os trabalhadores gregos, talvez dos portugueses e espanhóis também. Será isso possível? Tenho dúvidas. Se os ouvidos no Parlamento de Atenas são moucos, no restante da Europa eles são poucos.
Quem sabe, por exemplo, as centrais brasileiras e outras latino-americanas poderiam tomar a iniciativa, e soprar isso nos ouvidos de suas congêneres européias?
Flávio Aguiar é correspondente internacional da Carta Maior em Berlim.
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