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O Carnaval e a crise

Por Roberto Saturnino Braga
Fonte:  Correio Saturnino - 197/2012
 
O Carnaval esvazia as atenções e as prioridades. A crise, entretanto, cresce e não participa nos folguedos.
Rebaixamentos nas avaliações da confiança do mercado em vários países europeus e, principalmente, o transeassustador que sacode a Grécia estão nas manchetes. Não é para menos, os sacrifícios exigidos deste povo antigo são de arrasar. É um caso típico de plebiscito, de consulta popular; nenhum poder representativo, mesmo legítimo, pode ter uma delegação tão plena e forte, capaz de tomar uma decisão tão drástica e ruinosa para tanta gente sem uma consulta direta. Não é aceitável o argumento da incapacidade ou ignorância popular para decidir seu destino: o plebiscito é precedido de uma ampla campanha de informação sobre as consequências das alternativas, e há que confiar na maturidade do ser humano. A urgência, sim, é uma razão; mas o processo de consulta podia ter sido deflagrado meses atrás, quando Papandreu quis convocá-lo e foi execrado, acabou expulso. Poderia estar sendo votada agora, após os meses de grandes debates que se teriam travado. O futuro modelo econômico do mundo ainda ninguém conhece mas o modelo de democracia, certamente, terá de ser o de confiança no debate público, na consulta popular e na sabedoria do povo.

Já fiz referências várias a essa falência do modelo clássico de democracia representativa, que vem de um
passado de duzentos anos e começou com eleições que, durante décadas, excluíam os pobres, os analfabetos e as mulheres, sob a alegação de falta de discernimento para as graves decisões nacionais. Esse argumento falso foi superado, o eleitorado se universalizou mas a delegação completa de responsabilidade aos representantes eleitos permaneceu intacta, caracterizando um regime de quadros políticos preparados, elitizados, que deveriam saber, eles e não o povo, o que seria melhor para o povo. Filosofia positivista também inteiramente superada.

A massificação do eleitorado, o distanciamento crescente entre o representante e o representado, a
deselitização paulatina da representação, todo esse processo foi exigindo, entretanto, o emprego cada vez mais intenso de técnicas de propaganda, de engodo e convencimento, de busca premente de presença na mídia, como condições necessárias para a boa votação, para a vitória eleitoral. E o custo crescente dessas técnicas e meios de apresentação foi transformando cada eleição numa disputa não de méritos e espírito público entre os candidatos mas de dinheiro para o financiamento das campanhas dispendiosíssimas. Tinha que aparecer e crescer, no meio dessa máquina perversa, a corrupção, a desmoralização e o descrédito dos políticos. O empenho de limpeza em todo o mundo é grande, e valem todos os esforços: por exemplo, acho importantes o financiamento público de campanha, a limitação dos gastos eleitorais, a prestação de contas, a lei da ficha limpa e outros dispositivos moralizadores. Entretanto...

Ao longo dos cinqüenta anos em que participei da vida política brasileira pude ver com muita nitidez a
transformação do modelo cartorial, elitista, coronelista das nossas eleições, em que os chefes políticos locais comandavam e manipulavam os eleitores, para o sistema atual em que o comando passou a ser do dinheiro. Os saudosistas preferem o velho modelo que era realmente mais limpo de corrupção. Eu acho que o atual, apesar de mais sujo, é mais democrático, dá mais ensejo a que a vontade do eleitor se manifeste, ainda que manipulada por despesas elevadas com marqueteiros e com favores pessoais de assistência social privada de várias naturezas.

Voltando ao início, a crise prossegue durante o carnaval. Após o incêndio da Grécia, virão as explosões da Itália, da Espanha, sei lá onde mais. Na França surge finalmente um candidato socialista com discurso forte, afirmativo, esquerdista repontando nas pesquisas. A França, uma vez mais, pode falar ao mundo. 

No Brasil, seria um erro enorme confiar na imunidade. O sismo vai chegar e temos que nos preparar. A China deve continuar crescendo, mas muito menos, assim como a Índia e a África do Sul. Nossa âncora deverá ser mesmo a América do Sul, incluindo o nosso próprio mercado alargado. O Governo Dilma felizmente está bem atento.

Roberto Saturnino Braga, econcomista, ex-senador (PT/RJ), integra o Conselho Curador da Fundação Perseu Abramo.

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