Editorial de Carta Maior

O Brasil precisa fazer na educação (e na saúde) o
mesmo que Lula fez com o salário mínimo: uma ruptura em relação à
inércia conservadora. Num intervalo de oito anos o presidente petista
elevou o poder aquisitivo do mínimo em mais de 53% em termos reais.
Rejeitou a lógica incremental. Entendeu que mudar apenas na margem
seria manter à margem os que sempre viveram na soleira do país.
Deu-se
então a mudança estrutural. Um novo degrau de acesso à renda passou a
ordenar a vida de milhões de brasileiros beneficiando a economia e toda a
sociedade. O poder de compra popular, associado às políticas de combate
à fome e à miséria, revelou-se um contrapeso decisivo de demanda
interna na crise mundial.
Criticado pela ortodoxia, Lula
desabafou: 'foi preciso uma crise igual ou pior que a de 1929 para a
elite brasileira entender o acerto histórico dessa decisão'. Os avanços
registrados na educação desde 2002 não são desprezíveis. O Fundeb
pavimentou o caminho a melhora do ensino básico; o Prouni alargou o
acesso à educação superior; a rede de escolas técnicas dobrou. Os
resultados só não são melhores porque o gargalo do ensino médio, sob
guarda-chuva estadual, ainda desabona a ficha escolar da juventude
pobre.
A guerra pela qualidade é uma guerra por orçamento. Os
recursos fiscais destinados à educação são da ordem de R$ 85 bi; os da
saúde giram em torno de R$ 90 bi. Somados, ficam muito aquém do saco sem
fundo da dívida pública que consome mais de 1/3 da receita tributária
federal entre juros, refinanciamentos e amortizações. A inércia se
propõe a elevar a fatia da educação do equivalente a menos de 5% do PIB
para 7% dele. Até 2020.
Mesmo com o aumento substantivo de
22,2%, o novo piso do professorado brasileiro não vai além de R$
1.451,00, por 40 horas semanais, em classes com média de 30 alunos. Quem
se habilita? Pesquisas indicam que a carreira do magistério tornou-se
uma espécie de lotação da meia-noite: a escolha dos que não tem mais
escolha, por conta das piores notas no ENEM.
Os dados do Enad
confirmam: predominantemente, a opção pelo magistério é feita pelos que
tem renda mais baixa (até três mínimos) e são obrigados a conciliar o
trabalho e estudo. Entidades representativas dos municípios brasileiros
alegam que nem isso podem pagar: precisariam de um subsídio federal de
R$ 7 bi/ano para viabilizar a nova folha do professorado. Compare-se
esse 'déficit' com o supergasto na ponta dos juros: fica claro que o
salto na educação passa por um corte graúdo no apetite rentista, caso
contrário, como atrair os melhores talentos que uma revolução
educacional requer?
Na Finlândia, o extremo oposto que ocupa a
3ª posição no ranking do Pisa, entre 65 países, o magistério é a opção
preferencial de um em cada cinco estudantes. Cursos de pedagogia são
disputados em uma seleção rigorosa: 10 candidatos por vaga; o ensino é
99% público, não há 'incentivos' de desempenho para escamotear arrocho,
classes são pequenas e o salário médio se equipara ao das carreiras mais
valorizadas. Um dia a Finlândia decidiu que não podia desperdiçar
nenhum jovem. E o Brasil?
Comentários
Postar um comentário