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Desenvolvimentismo e "dependência"

Chama a atenção que até hoje o “desenvolvimentismo de esquerda” não tenha conseguido construir uma nova base teórica que possa dar um sentido de longo prazo às suas intermináveis e inconclusivas deblaterações macroeconômicas, e ao seu permanente entusiasmo pelo varejo keynesiano.

Na década de 60, do século passado, a crise econômica e política da América Latina provocou, em todo continente, uma onda de pessimismo, com relação ao desenvolvimento capitalista das nações atrasadas. A própria CEPAL fez auto-crítica, e colocou em dúvida a eficácia da sua estratégia de “substituição de importações”, propondo uma nova agenda de “reformas estruturais” indispensáveis à retomada do crescimento econômico continental. Foi neste clima de estagnação e pessimismo que nasceram as “teorias da dependência”, cujas raízes remontam ao debate do marxismo clássico, e da teoria do imperialismo, sobre a viabilidade do capitalismo nos países coloniais ou dependentes.

Marx não deu quase nenhuma atenção ao problema específico do desenvolvimento dos países atrasados, porque supunha que a simples internacionalização do “regime de produção burguês” promoveria, no longo prazo, o desenvolvimento das forças produtivas capitalistas, no mundo dominado pelas potências coloniais europeias. Mais tarde, no início do século XX, a teoria marxista do imperialismo manteve a mesma convicção de Marx, que só foi questionada radicalmente, depois do lançamento do livro do economista, Paul Baran, “A Economia Política do Desenvolvimento”, em 1957.

Após sua publicação, a obra de Baran se transformou numa referência obrigatória do debate latino-americano dos anos 60. Para Paul Baran, o capitalismo era heterogêneo, desigual e hierárquico, e o subdesenvolvimento era causado pelo próprio desenvolvimento contraditório do capitalismo. Além disto, segundo Baran, o capitalismo monopolista e imperialista teria bloqueado definitivamente o caminho do nos países atrasados.

As ideias de Baran casaram como luva com o pessimismo latino-americano dos anos 60, e suas teses se transformaram numa referencia teórica fundamental das duas principais vertentes marxistas da “escola da dependência”: a teoria do “desenvolvimento do subdesenvolvimento”, do economista americano A. G. Frank, que exerceu pessoalmente, uma forte influencia no Brasil e no Chile; e a teoria do “desenvolvimento dependente e associado”, formulada por F. H. Cardoso, com o suporte intelectual de um grupo importante de professores marxistas da USP.

A tese central de Gunder Frank, vem diretamente de Paul Baran: segundo Frank, o imperialismo seria um bloqueio insuperável, mesmo com a intervenção do estado, e o desenvolvimento da maioria dos países atrasados só poderia se dar através de uma ruptura revolucionária e socialista. Esta tese de Frank, foi sendo matizada por seus discípulos, mas ainda é a verdadeira marca acadêmica internacional da teoria da dependência. Por outro lado, a tese central de F.H Cardoso já nasceu menos radical: segundo Cardoso, o desenvolvimento capitalista das nações atrasadas seria possível mesmo quando não seguisse as previsões clássicas, mas seria quase sempre, um desenvolvimento dependente e associado com os países imperialistas.

O avanço da teoria do “desenvolvimento associado” foi interrompido pelo seu próprio sucesso político, ao se transformar no fundamento ideológico da experiência neoliberal no Brasil, sob liderança do próprio F.H.Cardoso. Com relação a G.Frank e seus discípulos, ele mesmo “imigrou”, nos anos 80, para outros temas e discussões históricas, e sua teoria do subdesenvolvimento ficou paralisada no tempo, como se fosse apenas uma lista de características especificas, estáticas e intransponíveis, da periferia capitalista. Ou quem sabe, uma espécie de teoria dos “pequenos países”.

Apesar de tudo, a “escola da dependência” deixou plantadas quatro ideias seminais, que abalaram o fundamento teórico do “desenvolvimentismo de esquerda”, dos anos 50:

i) o capital, a acumulação do capital e o desenvolvimento capitalista não tem uma lógica necessária, que aponte em todo lugar e de forma obrigatória, para o pleno desenvolvimento da industria e da centralização do capital;

ii) a burguesia industrial não tem um “interesse estratégico” homogêneo que contenha “em si”, um projeto de desenvolvimento pleno das forças produtivas “propriamente capitalistas”;

iii) não basta conscientizar e civilizar a burguesia industrial e financiar a centralização do seu capital, para que ela se transforme num verdadeiro condotieri desenvolvimentista.

iv) por fim, a simples expansão quantitativa do estado não garante um desenvolvimento capitalista industrial, autônomo e auto-sustentado.

O que chama a atenção é que até hoje, o “desenvolvimentismo de esquerda” não tenha conseguido se refazer do golpe, nem tenha conseguido construir uma nova base teórica que possa dar um sentido de longo prazo às suas intermináveis e inconclusivas deblaterações macroeconômicas, e ao seu permanente entusiasmo pelo varejo keynesiano.

José Luís Fiori, cientista político, é professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

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