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A justiça é cega?

A dúvida sobre a necessidade de deixar a justiça cega persiste: serve para assegurar a imparcialidade ou é uma demonstração de força e poder das elites
Editorial ed. 472   - Brasil de fato

É do conhecimento de todos que, nos dias atuais, a Justiça é representada simbolicamente por uma estátua de mulher de olhos vendados, segurando numa das mãos a balança e, na outra, a espada. O primeiro instrumento pesa o direito que cabe a cada uma das partes. E a espada simboliza a defesa dos valores daquilo que é justo.
É apenas uma representação simbólica. Mesmo na era digital, a balança da estátua se assemelha as da Idade Média, quando o Direito era usado única e exclusivamente para perpetuar os privilégios e conquistas dos que detinham o poder. Já a espada, em nenhum momento rompeu com o compromisso de priorizar a defesa da propriedade, mesmo em detrimento dos valores daquilo que é justo. O despejo das famílias do bairro Pinheirinho, em São Jose dos Campos (SP) atesta que a estátua de olhos vendados enxerga bem quando ergue e direciona braço de coação em defesa da propriedade.
Sobre a venda nos olhos, todos nós aprendemos que é o símbolo da imparcialidade daqueles que representam o Estado e do esforço humano – sempre passível de erros - de evitar privilégios na aplicação da Justiça. É curioso que na mitologia grega, nas primeiras representações simbólicas da Justiça, as deusas Têmis e sua filha Diké, aparecem, ambas, de olhos abertos, sem vendas.
Quando a deusa foi vendada? Há quem afirme que esse adereço, nos olhos da Justiça, aparece no império romano, com a deusa Iustitia. Para outros, é uma criação de artistas da Idade Média para denunciar a parcialidade dos julgadores e criticar a dissociação do Direito em relação à Justiça.
A dúvida sobre a necessidade de deixar a justiça cega persiste: serve para assegurar a imparcialidade ou é uma demonstração de força e poder das elites para assegurar privilégios e impunidades, que se perpetuam em atuações e sentenças dadas nos tribunais? O senador Demóstenes Torres (DEM-GO) certamente está torcendo muito, no seu dia-a-dia e, principalmente, na cozinha de sua casa, para que a venda nos olhos da estátua lhe assegure uma confortável distância daquele braço armado com a espada.

O senador, que foi Procurador-Geral do Ministério Público de Goiás e secretário de Segurança Pública daquele estado antes de ocupar o cargo eletivo, notabilizou-se por ser um destemido e implacável paladino da ética e da moralidade pública. Após a Operação Monte Carlo, deflagrada pela Policia Federal, descobriu-se sua estreita amizade com o contraventor Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cachoeira, o principal chefe da máfia dos caça-níqueis de Goiás. As notícias dizem que essa amizade lhe rendeu, de presente de casamento, uma cozinha completa, no valor de 30 mil dólares, do mesmo fabricante que equipa a cozinha da Casa Branca, em Washington. Bem que o Partido Democratas (ex- PFL) ansiava em lançá-lo candidato a presidente da República, em 2014. O senador, que já foi ator na trama de um grampo telefônico em que jamais apareceu o áudio, deve ter entendido mal uma possível orientação recebida de começar a cuidar da cozinha, para se cacifar para a corrida presidencial.

A prisão do contraventor, além de colocar o amigo senador em evidência, serviu para, mais uma vez, escancarar a promiscuidade existente entre o crime organizado, setores da mídia e autoridades judiciais, policiais, do parlamento e do executivo. Em Goiás, o contraventor mantinha o controle sobre a Secretaria de Segurança Pública, no governo do tucano Marconi Pirillo. E o jornalista Luis Nassif, ainda em 2008, denunciou as relações incestuosas, nas palavras dele, entre o Carlinhos Cachoeira e a revista Veja, do grupo Abril.
O mesmo triângulo amoroso - mídia, autoridades e crime organizado – já tinha sido evidenciado no caso do banqueiro Daniel Dantas, o que lhe assegurou impunidade dos seus crimes, até os dias de hoje. Será coincidência que a mesma prática seja usada pelo tucano José Serra para fugir da responsabilidade dos crimes documentados no livro A Privataria Tucana, do jornalista Amaury Ribeiro Jr.? É do conhecimento público o férreo controle, chegando em nível de ameaçar jornalistas, que o tucano exerce nas redações dos jornais e revistas semanais e de sua estreita amizade com o ex-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), o ministro Gilmar Mendes.
Quem é mestre de quem: Daniel Dantas, Serra ou Carlinhos Cachoeira? O último não deve ter atingido esse grau de qualificação, uma vez que já se encontra preso no presídio federal de segurança máxima de Mossoró (RN). Os três, mesmo o preso, e juntos com senador dono da cozinha igual a da Casa Branca, devem agarrar-se na esperança de que a estátua de olhos vendados continue sendo a da Idade Média.
Vergonhoso é ver os partidos da base de apoio do governo Dilma, principalmente o PT, se imiscuírem na defesa do senador amigo do contraventor, ao invés de exigir providencias e apuração dessa promiscuidade já apurada com autorização da Justiça. O mesmo acontece no caso da CPI da Privataria Tucana, já aprovada no Congresso Nacional, mas ainda não instalada. Abafar essa CPI significa passar o recibo de conivência com os crimes relatados no livro do jornalista Ribeiro Jr.

Aquilo que hoje pode parecer esperteza, no tabuleiro da política, amanhã poderá servir para atestar que aumentou o número de picaretas no Congresso Nacional, desde 1993, quando Lula quantificou-os em 300. Também já é hora da presidenta Dilma Rousseff frente a todas essas denúncias, preencher os cargos do Mistério da Justiça e da Procuradoria Geral da União que se encontram vagos desde o início do seu governo. Não espere por 2014 para ouvir o povo brasileiro. Poderá ser tarde.

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