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Os sanguinários da palavra

Por Paulo Fonteles Filho - Fund. Maurício Grabois
 
Enquanto o governo tucano do Pará faz acordo com reconhecidos latifundiários, como os Mutran e o grupo Santa Bárbara, do também banqueiro Daniel Dantas, para vender ilegalmente terras públicas à irrisórios valores - acordo já celebrado faltando apenas a homologação do juiz da Vara Agrária de Redenção (Pa) - segundo denúncia formulada recentemente pela Comissão Pastoral da Terra (CPT), um odioso cerco se abate contra os movimentos sociais, sobretudo diante do abril que se anuncia.
 

Abril porque no distante ano de 1996 o Pará, à época também sob os auspícios da plumagem violenta da grande propriedade rural que representa os governos tucanos, os acontecimentos de Eldorado de Carajás chocaram o país com a chacina que ceifou 19 vidas. O dia 17 de abril entrou para a história como o dia da infâmia e, através do curso dos anos virou uma data de protestos pela Reforma Agrária como também de luta contra a impunidade, bandeiras tão importantes para a verdadeira democratização da sociedade brasileira.

Acontece que abril também marca a ação de editorialistas da estirpe mais reacionária que se reúnem pelos jornalões e, em esquizofrênica cruzada salvacionista, procuram pavimentar a liquidação não apenas do MST, um dos mais civilizatórios e pujantes emblemas de nossa época, como, também, para decretar o fim de toda a luta pela terra.

Ocorre que a história humana está cheia de exemplos deste tipo e é só passarmos em revista alguns deles. O exemplo, como dizia meu pai, assassinado pelo latifúndio em 1987, ensina mais do que qualquer digressão teórica.

Há mais de dois mil anos, Roma, a cidade eterna, tinha os domínios do mundo. Escravizava povos e sociedades, tinha o terrível Herodes a seu serviço, muitos serviam de espiões, milhares de crianças foram mortas porque se anunciava o Messias.

Toda criança morta, não importa se judeu ou árabe era pela simples ameaça do Messias. Decerto que o sorriso de uma criança é uma ameaça para um tirano e isso vale para aqueles tempos, como para os atuais. O fato é que o Messias, por sorte ou graça divina, como queiram, se tornou num dos homens mais importantes da história universal e a fase mais bela de sua igreja foi quando perseguida e vivia nas catacumbas, em sonhos de justiça e liberdade.

Crucificaram o homem e lhes deram a longevidade, tenho dúvidas sobre a eternidade. A questão é que ele está aqui entre nós, seja pela fé ou pela história. Sua mais brilhante passagem foi no socialista-primitivo discurso de “O Sermão da Montanha”: ‘bem-aventurados aqueles que têm fome e sede de justiça, porque deles será o reino dos céus’,  me desculpe se não for assim.

A questão central é que lhe mataram mil vezes e mataram de verdade só que o homem não morreu, resiste até hoje. Quem me conhece sabe no que acredito e como dizia Gorki, creio nos livros e na vida.

Não se mata uma idéia. A grande fixação dos direitistas é sempre matar uma idéia. Toda idéia é subversiva para um recalcitrante. Tudo que é diferente dá trabalho. Tudo que é mestiço é anticolonial. Não é a toa que Marx e Engels iniciam o Manifesto do Partido Comunista anunciando que “Um espectro ronda a Europa, o espectro do comunismo.”

Definitivamente não se mata uma idéia, mas a velhacaria um dia desaparece, aliás, apodrece. E o latifúndio é a estrutura da sociedade brasileira que mais nos remete ao passado. E a altaneira luta pela terra contribue para lançar o Brasil para o futuro.

Para as elites, cadeia é para os filhos da periferia, não é verdade? Dinheiro público apenas para as pançudas barrigas acostumadas a Miami, nunca para quem nasceu em Eldorado dos Carajás, não é verdade? Universidades para o povo? Nunca. Para que, se eles têm Harvard para aprender a sociologia branca estadunidense e jamais para compreender as grandes deformações da sociedade brasileira ou, mesmo, engendrar tecnologias capazes de desenvolver de forma sustentável a Amazônia no sentido de que nossas riquezas fiquem por aqui e alimentem nossas vidas de cultura e felicidades. O problema dessa turma é o povo e, concomitantemente, quem organiza o povo.

Para eles, que nós sabemos muito bem quem são, as massas, devem estar em silêncio, desorganizadas, desunidas, dependentes de políticos desonestos.

O próprios jornais em que eles escrevem pode ser perigoso porque, para os latifundiários da mídia, só a casta deveria ler como na Idade Média. E, como tal, preparam enormes fogueiras.

Tais editorialistas são os sanguinários da palavra, espécies de pensadores muito em voga nestes tempos de luta para consolidar as mudanças no Brasil,  colocando-o num novo patamar histórico, mais avançado e distante das premissas neoliberais que marcaram os tempos dos governos de Fernando Collor e Fernando Henrique Cardoso.

Poderiam, pelo menos, ter uma pena mais elegante e mirar-se em Paulo Francis. Poderiam, pelo menos, utilizarem-se da linguagem subliminar e apetrecharem-se da discrição. Mas não, são afoitos e vociferam revelando o desejo pela inquisição.

O problema dos sanguinários da palavra é que eles infundem de convicção outros sanguinários. Falo isto porque certa vez, meu pai, num pronunciamento na Assembléia Legislativa nos longínquos anos oitenta, afirmou que “preferia perder a própria vida que a identidade”. Depreendi desta lição que há dois tipos de morte, a moral e a física. O que os editorialistas pretendem é, certamente, encorajar um desastre que pode criar, isto sim, sérios danos para o Estado Democrático de Direito quando criminalizam toda a necessária luta pela terra.

Afinal, em toda a história do Brasil jamais os oprimidos criaram nenhum entrave para a democracia, muito ao contrário, resgataram-na. Gente que tem o semblante camponês sempre esteve na linha de frente desta luta, enquanto que gente do tipo Daniel Dantas - que mais uma vez têm a seu serviço o governo e o judiciário paraense - sempre esteve disposta em manter a grande concentração fundiária como nos ensina o jornalista Lúcio Flávio Pinto. 

Essa contenda têm dimensões históricas e se projeta no leito caudaloso na brutal, porém extraordinária formação social do povo brasileiro, segundo preconiza a herança intelectual de Darcy Ribeiro. Alguns, mesmo na esquerda, crêem que tudo é tragédia e não é. O povo brasileiro venceu a preagem indígena, os navios negreiros, até os brancos aqui, os iniciais, eram degredados.

E tudo foi se gestando de tal forma que somos diferentes de tudo que há no mundo, um povo novo, uno, e nossa unidade foi fazer com que esse imenso território, essas florestas pulmonares, estes rios que se perdem na paisagem, os litorais do sem-fim, as multitudinárias esperanças, nossos bichos, enfim, tudo desta civilização brasileira é obra da nossa capacidade criativa de resistir através dos séculos. O povo brasileiro é obra de um milagre que a elite jamais entenderá, por isso tenhamos a clareza de que, quem não entende, quem não desvenda, domina por certo tempo, mas não domina por todo o sempre.
Abril promete muita luta!

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