Pular para o conteúdo principal

O contraponto tucano a Petrobras

Por Saul Leblon - Carta Maior
Numa entrevista famosa de 2009, ao portal da revista Veja, FHC justificou a venda da Vale do Rio Doce, entre outras razões, ao fato de a 2ª maior empresa de minério do mundo ter se reduzido -na sua douta avaliação - a um cabide empregos, 'que não pagava imposto, nem investia'. Notícias frescas da Receita Federal abrem um contraponto constrangedor à discutível premissa fiscal tucana.

A Vale foi acionada e dificilmente escapará, exceto por boa vontade de togados amigos, de pagar R$ 30,5 bilhões sonegados ao fisco durante a década em que esteve sob o comando de Roger Agnelli. O calote, grosso modo, é dez vezes maior que o valor obtido pela venda da empresa, em 1997. Ademais do crime fiscal, o golpe injeta coerência extra aos personagens desse episódio-síntese de uma concepção de país e de desenvolvimento desautorizada, de vez, pela crise mundial.

Filho dileto do ciclo tucano das grandes alienações públicas, Roger Agnelli -presidente da Vale do Rio Doce de 2001 a 2011 -- foi durante anos reportado ao país como a personificação da eficiência privada e das virtudes dos livres mercados na gestão das riquezas nacionais.

Com ele, graças a ele, e em decorrência da privatização-símbolo que ele encarnou, a Vale tornou-se uma campeã na distribuição de lucros a acionistas. Vedete das Bolsas, com faturamento turbinado pela demanda chinesa por minério bruto, que o Brasil depois reimportava, na forma de trilhos, por exemplo, --a única laminação para esse fim foi desativada pelo governo FHC-- a Vale tornou-se o paradigma de desempenho corporativo aos olhos dos mercados.

Um banho de loja assegurado pelo colunismo econômico, ocultava a face de um negócio rudimentar, um raspa-tacho do patrimônio mineral alçado à condição de referência exemplar da narrativa privatista. A 'eficiência à la Agnelli' lambuzava o noticiário. Da cobertura econômica à eleitoral, era o argumento vivo a exorcizar ameaças à hegemonia dos 'livres mercados' instaurada na era tucana. Projetos soberanos de desenvolvimento, como o da área de petróleo, eram fuzilados com a munição generosa da Vale.

A política agressiva de distribuição de lucros aos acionistas --na verdade um rentismo ostensivo, apoiado na lixiviação de recursos existentes, sem agregar capacidade produtiva ao sistema econômico-- punha na Petrobrás o cabresto do mau exemplo. Era a resiliência estatista nacionalisteira, evidenciada em planos de investimento encharcados de preocupação industrializante e 'onerosas' regras de conteúdo local.

A teia de acionistas da Vale,formada por carteiras gordas de endinheirados, bancos e fundos, com notável capilaridade midiática, nunca sonegou gratidão ao herói pró-cíclico do boom das commodities metálicas. Enquanto o mundo mastigava avidamente o minério de teor de ferro mais elevado do planeta, Agnelli foi de vento em popa, incensado a cada balanço, seguido de robustas rodadas de distribuição de lucros.

No primeiro soluço da crise mundial, em 2008, o herói pró-cíclico reagiu como tal e inverteu o bote: a Vale foi a primeira grande empresa a cortar 1.300 trabalhadores em dezembro, exatamente quando o governo Lula tomava medidas contracíclicas na frente do crédito, do consumo e do investimento. A Petrobrás não demitiu; reafirmou seus investimentos no pré-sal, da ordem de US$ 200 bilhões até 2014. Se a dirigisse um herói dos acionistas, teria rifado o pré-sal na mesma roleta da Vale: predação imediatista, fastígio dos acionistas e prejuízos para o país.

Em seu último ano na empresa, Agnelli distribuiu US$ 4 bi aos acionistas. Indiferente aos apelos de Lula, recusou-se a investir US$ 1,5 bi numa laminadora de trilhos que agregasse valor a um naco das quase 300 milhões de toneladas de minério bruto exportadas anualmente pela empresa. Resistiu no cargo até consumar-se a derrota de José Serra.Com a vitória de Dilma, o conselho foi destituído, em abril de 2011.

Agora se sabe que o centurião do credo tucano --e dos bolsos dos acionistas-- não se valia apenas da alardeada proficiência administrativa para cumprir as metas da ganância rentista. Além de pagar apenas 2% de royalties ao país, a Vale no ciclo Agnelli notabilizou-se por sonegar R$ 30,5 bilhões em Imposto de Renda e CSLL aos cofres públicos.

Com o velho truque de contabilizar em subsidiárias no exterior ganhos de fato auferidos pela matriz, surrupiou ao país quase um ano de faturamento da empresa (da ordem de R$ 37 bi em 2011). Com o processo movido pela Receita Federal , fecha-se um ciclo, mas ainda resta um personagem importante da história a ser desmascarado. Na mencionada conversa entre camaradas, no portal da "Veja", em 2009, FHC admitiu que "teve resistência psicológica" à venda da Vale. E deu crédito ao impulso de entusiasmo engajado que o motivou: "O Serra foi um dos que mais lutaram a favor da privatização da Vale. Digo isso porque muita gente diz assim: 'O Serra é estatizante...' Mas não: ele entendeu isso. Da Light também. O Serra... (foi dos que mais lutaram)". ( Para conferir: http://www.youtube.com/watch?v=gVgruNHLBz4&feature=player_embedded#!)

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

LITERATURA

 

A cada dia aumenta o número de pré-candidatos em Feira de Santana, agora é Dilton Coutinho

Por Genaldo de Melo Mais um nome entra na fogueira das discussões e cogitações para ser candidato ao Paço Municipal em Feira de Santana, e o assunto não deixa de ser cogitado hoje em rodas de conversas, jornais, sites e blogs, além do mundo política da cidade. Dessa vez surge como candidato o radialista Dilton Coutinho, nome bastante conhecido nos meios de comunicação local. Ontem em entrevista no seu programa Acorda Cidade na rádio Sociedade de Feira FM o deputado federal Fernando Torres (PSD) disse ser pré-candidato a prefeito, mas caso Dilton resolva ser do mesmo modo, ele oferece seu partido para abrigar o comunicador como candidato: “Eu sou pré-candidato a prefeito de Feira de Santana, mas se você for Dilton Coutinho eu abro mão. O PSD está a sua disposição amigo Dilton Coutinho”, disse Fernando Torres, presidente do PSD no município. Do mesmo modo a discussão apareceu ontem na Câmara de Vereadores pela vereadora Eremita Mota (PDT e pelo vereador David Neto (PTN).

A verdade sobre o esvaziamento das palavras golpe e "Fora Temer"

Por Genaldo de Melo Com a falta de povo nas ruas a mídia trabalha constantemente o esvaziamento do sentido real da palavra "golpe" que está acontecendo de fato.  A palavra "golpe" repete-se, repete-se, e repete-se como um mantra que perdeu o significado.  Num momento tão crucial como este, em que o projeto de governo eleito pelo voto democrático está sendo trocado por outro completamente diferente e que não passou pelo crivo das urnas, substituíram as grandes mobilizações de massa pela ação individual alegórica, pois se pulverizou a indignação popular apenas na palavra “golpe” nas redes sociais e em cartazes.  É impossível não notar que isso ocorre ao mesmo tempo em que a tradicional mídia jornalística trocou a aguerrida cobertura dos acontecimentos econômicos e políticos por um atual tom de meras trivialidades.  Quem acompanha o noticiário político e econômico não deixou de perceber que a mesma indignação que impulsiona inúmeras matérias jornalísti...