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O contágio que torna tudo efêmero

Por Saul Leblon

Tornou-se lugar comum dizer que a Grécia é o laboratório da desordem neoliberal. Mas o efêmero alívio resultante da vitória da direita nas eleições de domingo reafirma esse adágio. A comemoração dos centuriões nativos da banca (o arrocho 'venceu' singularmente,com 40% dos votos, enquanto 52% dos eleitores gregos apoiaram partidos contrários ao ajuste) não resistiu aos primeiros raios da segunda-feira.

Logo cedo os mercados cobravam sua libra de carne viva dos espanhóis. E o faziam com virulência implacável. Um movimento duplo de fuga de capitais e exigências de taxas de juros insustentáveis, que bateu em 7,28%, acentuou a paralisia facial e fiscal dos aturdidos ocupantes do La Moncloa. Personagens prontos para o filme da debacle neoliberal e, diga-se, uma direita tão devota quanto a que venceu na Grécia, eles simplesmente não entendem o enredo do qual são protagonistas. Que se passa quando irmão não reconhece irmão, pai sangra filho com inclemência cega?

Os entes do dinheiro não se reconhecem mais nas normas, interditos e dogmas que eles mesmos criaram e que permitiu certa estabilidade na desordem enquanto a engrenagem rodou lubrificada pela apoteose de bolhas sobrepostas. A espiral formou uma onda especulativa equivalente a 10 vezes o valor do PIB mundial . O afogamento no próprio excesso, transformaria o caudal do cada um por si no salve-se quem puder do colapso que abala o mundo desde 2008. Não há acordo possível. O Titanic financeiro acomoda US$ 600 bilhões em direitos de saque sobre um PIB global de US$ 60 bilhões. Há um lugar no bote para cada 10 passageiros dispostos a ocupá-lo.

A contabilidade da acomodação lista nove mortos para cada vencedor que sair primeiro. Essa é a matemática do 'ajuste' que impulsiona a fuga desordenada no sistema financeiro global. Governantes obsequiosos até se dispõem a jogar pedaços da sociedade ao mar --patrimônios públicos, aposentados, jovens, crianças, gastos com saúde, educação etc. Imagina assim abrir espaço aos credores ferozes. Inutilmente. Cada oferenda de sacrifício retrai ainda mais a capacidade da economia de ofertar botes adicionais para acomodar o pânico à bordo. A incerteza se eleva incendiando a desordem no convés.

Aos números: bancos alemães e franceses tem 730 bilhões de euros encravados no casco pendente do Titanic espanhol e italiano. Querem sair. Para ficar exigem juros impossíveis que antecipam o afundamento da embarcação. A Espanha deve mais de 750 bilhões aos credores internacionais. Um naufrágio italiano significaria um beiço de 930 bilhões de euros na banca global. A Grécia com todo o mal-estar que causa é café pequeno perto desse rombo em transatlânticos gigantes. Ao contrário do que promete a religião neoliberal, não há salvação individual no naufrágio sistêmico das finanças globais.

Se o devedor aderna, o credor se afoga. Segundo os dados do Banco Internacional de Compensações (BIS), uma espécie de caixa de liquidação das transações globais, se o euro submerge, os bancos dos EUA perderão 430 bilhões de euros em empréstimos.Parece pouco. Mas o revés será infinitamente maior - e o impacto muito pior que a quebra do Lehman Brothers, em 2008 - quando se considera que o mercado financeiro norte-americano é o desafortunado detentor de volumes astronômicos de CDS -seguros contra calotes, que seriam acionados automaticamente quando a água à bordo do euro configurar um ponto de não retorno, ora mitigado. Vivos e mortos cobrarão entao suas apólices estendendo o contpagio devastador ao coração do capitalismo financeiro.

Essa é a lógica bruta que move a fuga sem lealdades no interior do Titânic europeu nas últimas horas. Em tempo de murici, que cada um cuide de si. Compreende-se assim porque vitórias tão ansiadas na véspera, como a da direita na Grécia, dissolvem-se na manhã seguinte, em nova golfadas de um contágio que torna tudo efêmero.

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