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As lições da Argentina e o modelo energético brasileiro

O campo brasileiro está se configurando num espaço privilegiado para o avanço dos grandes projetos de produção de energia

Edtorial ed. 479 - Brasil de Fato


Criada em 1922, enquanto estatal argentina com vocação para contribuir decisivamente com o desenvolvimento nacional, a YPF foi privatizada em 1992 durante a ofensiva neoliberal que tomou conta da América Latina. A recente iniciativa do governo argentino, comandado pela presidenta Cristina Kirchner, encaminhando a expropriação de 51% das ações da petroleira YPF representa mais uma derrota do neoliberalismo. Aliás, essa importante medida é amplamente apoiada pela sociedade argentina e busca garantir a soberania nacional.

As privatizações provocaram o efeito perverso de desnacionalizar as economias latino-americanas. No caso argentino, durante o ano de 2011, foi a primeira vez, nos últimos dezessete anos, que nossos vizinhos tiveram que importar petróleo e gás. Isso ocorreu porque a exploração desses recursos naturais estratégicos estava sob o controle do capital privado, a transnacional Repsol que transferia grande parte de seus lucros astronômicos para a matriz espanhola e não fazia investimentos sufi cientes no setor de petróleo e gás. É sabido por todos que o controle dos recursos naturais estratégicos pela sociedade e pelo Estado é fundamental para a soberania política e econômica de qualquer país. Um bom exemplo é o desafio da industrialização, pois os recursos naturais influenciam diretamente nos custos de produção. Não é por acaso que diante da atual crise econômica mundial, as transnacionais buscam a todo custo obter o controle dos recursos naturais. Diante das incertezas da crise econômica, comprar terras, reservatórios aquíferos, florestas e recursos minerais significa se apropriar de reservas de valores que dão maior estabilidade para os capitalistas.

As grandes transnacionais do capitalismo contemporâneo entendem os recursos naturais como commodities à disposição do livre mercado. As lutas dos povos latino-americanos têm expressado outra concepção. Uma compreensão fundada na utilização sustentável dos recursos naturais a serviço da vida dos povos e dos interesses nacionais. Um dos objetivos centrais do governo argentino com a retomada do controle da YPF é mudar o seu modelo energético para que funcione de acordo com os interesses nacionais. Uma mudança estrutural dessa magnitude não se concretiza sem o controle dos recursos naturais estratégicos pelo Estado. Consequentemente, esse controle não se viabiliza se o governo e a sociedade não enfrentarem os interesses das empresas transnacionais.

No caso brasileiro, infelizmente nosso modelo energético continua a serviço do grande capital em detrimento dos interesses do povo. Formou-se um modelo marcado pela aliança entre o Estado e o grande capital privado. O campo brasileiro está se configurando num espaço privilegiado para o avanço dos grandes projetos de produção de energia. Nada mais é do que o Estado brasileiro transferindo mais-valia social para o grande capital, degradando os recursos naturais e deixando um legado de milhões de pessoas atingidas por barragens.

As forças populares devem aproveitar o exemplo argentino para se mobilizar e pressionar o governo Dilma a mudar o atual modelo energético. Por isso, é importante pautarmos outro tipo de planejamento para o setor de energia baseado no controle estatal com participação popular; no uso sustentável dos recursos naturais; no direcionamento da energia para a produção camponesa; no respeito aos direitos das populações indígenas e quilombolas; na efetivação de uma política de Estado que regulamente os direitos dos atingidos por barragens; na aplicação de uma política de preços populares para as tarifas de energia; no fortalecimento do papel das estatais no desenvolvimento nacional; no controle estatal e popular da exploração dos recursos minerais, da Petrobras e do pré-sal, priorizando o direcionamento de seus ganhos para o investimento em educação; na garantia de direitos dos trabalhadores do setor energético.

Emergencialmente, é necessário que a presidenta Dilma utilize seu poder de veto e não aceite as mudanças no Código Florestal que foram impostas pelos ruralistas. A base jurídica que regulamenta o modelo energético brasileiro serve aos interesses neoliberais. Precisamos de um novo marco regulatório que sirva aos interesses do povo brasileiro. Esse conjunto de medidas, que dependem da mobilização popular e do compromisso de um conjunto de organizações políticas, lançaria as bases para a construção de um Projeto Energético Popular.

Na verdade, não são somente modelos energéticos diferentes. Antes de tudo, são projetos políticos diferentes em disputa. O dogma de que o livre mercado é o melhor caminho para a organização da sociedade está sendo desautorizado pela História. O neoliberalismo está sofrendo um cerco. Está sangrando. Cabe às forças populares aproveitarem esse momento em que o inimigo está encurralado para apresentar uma alternativa que consiga dialogar com o nível de consciência das massas, fundada em reformas estruturais na sociedade.

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