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Crise, hegemonia e discernimento histórico

Por Saul Leblon, Blog das Frases

Menen votou a favor da renacionalização da YFP, privatizada em 1992 em seu governo; Angela Merkel admite a necessidade de um plano de crescimento para uma Europa devastada pela receita de austeridade germânica; o discurso da extrema direita na França e na Grécia às vezes soa como um brado esquerdista contra o Estado fraco e o abandono da sociedade aos espoliadores ; no Brasil, Gilmar Mendes & outros, do STF, votam por unanimidade a favor do sistema de cotas na universidade; Alckmin diz que o PSDB sempre defendeu a 'prevalência' do trabalho sobre o capital; Murilo Portugal, da Febraban, tentou afrontar o governo na queda de braços dos juros com a velha soberba financista; foi retirado de campo rapidamente pelos bancões que anunciaram a adesão (perfunctória, é certo) aos cortes nas taxas ... O que está havendo, além de oportunismo e conveniência episódica?

Talvez estejamos entrando no período mais decisivo da crise capitalista iniciada em 2008: aquele que coloca ao alcance da esquerda o desmascaramento histórico das idéias e agendas que hoje constrangem até personagens e força que por 30 anos subordinaram os destinos da economia e da sociedade à supremacia das finanças desreguladas.

A trágica herança desse período acumulou massa crítica na fornalha do discernimento social . Afogada em desemprego - que cresceu 66% entre seus Estados membros desde 2008, segundo a OIT - a União Européia tornou-se a chaminé sombria desse estágio terminal. A imolação da Espanha pelo governo direitista do PP corrige quem se iludiu com 'a especificidade perdulária dos gregos'; ou relevou como tragicomédia o naufrágio italiano sob o comando de um Don Juan.

As histórias nacionais são sempre específicas. Mas a crise sistêmica que interliga gregos e troianos escancara o custo devastador da dominância financista ali onde ela não encontrou contrapesos no poder Estado, nem a resistência da democracia mobilizada.

O enlouquecido repto da direita espanhola escalpela a 4ª maior economia do euro em praça pública, ao custo de 5,6 milhões de desempregados, mais o desmanche do sistema de ensino e da saúde pública. E pur se muove : e mesmo assim os capitais continuam a fugir do país, a ponto de esculpir nuances de perplexidade no olhar catatônico do mandatário Mariano Rajoy que tudo faz a seu contento.

Nunca na série histórica do BC espanhol,desde 1990, houve registro de uma debandada tão persistente e graúda: desde junho investidores tiraram 128,5 bi de euros do país; a curva ascendente marcou novo pico em fevereiro com a saída de 25,5 bi de euros, quando os próprios espanhóis ricos remeteram outros 13 bi de euros para cofres estrangeiros. É uma sangria que todos enxergam e fingem não entender: o ajuste baseado em arrocho, recessão e consequente queda de receita conflita nos seus próprios termos com a meta perseguida de equilíbrio fiscal. A fuga ressalta o objetivo superior de obter liquidez, zerar posições, evadir-se, antes que seja tarde (nesta segunda-feira, pelo segundo trimestre consecutivo, a economia espanhola registrou resultado recessivo, com queda do PIB de menos 0,3%; 16 bancos locais tiveram avaliação piorada por uma agência de risco ingrata aos esforços do austericídio oficial).

As urnas francesas do próximo domingo, dia 6, vão testar a extensão desse discernimento na consciência européia. Pela primeira vez, a mistificação do debate sobre a natureza da crise e suas alternativas foi polarizada por uma visão consequente, personificada na candidatura de Mélenchon, cuja fatia de 11% dos votos pode ser decisiva à vitória de Hollande. Mais estratégica ainda será a persistência da pressão política da Frente de Esquerda num eventual governo socialista francês. Induzí-lo a adotar políticas que respondam de fato à natureza da crise -por exemplo, a regulação do sistema financeiro- será decisivo para saltar da revolta à construção de uma nova hegemonia política no coração do euro.

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