Pular para o conteúdo principal

Grécia: o desespero da riqueza de papel


Por Saul Leblon

A Grécia representa apenas 2% do PIB europeu; seu peso demográfico não é muito maior que isso. E no entanto os olhos do mundo se voltam para Atenas nesse momento. Nesta 4ª feira as bolsas despencaram em quase todos os mercados; o euro queimava nas mãos dos investidores; vendas maciças espremiam a cotação da moeda da UE em meio a fugas e saques de bancos, sobretudo espanhóis, entalados na pantanosa zona da insolvência. 

A palavra Grécia basta para gerar calafrios nos guardiões das posições ocupadas pelo dinheiro especulativo na Europa. Ao elo mais fraco da corrente cabe frequentemente a distinção de expressar o esgotamento sistêmico de um ciclo. É essa lógica paradoxal que reserva ao povo grego o camarote da história, até aqui ocupado bovinamente por carcaças complacentes com os aguilhões que tangem a nação ao matadouro. 

Esse tempo se esgota. A incerteza sobre o passo seguinte da história se instalou definitivamente na contabilidade fria das aplicações financeiras: as posições de hoje em euros valerão quanto amanhã? E depois de amanhã? Mas sobretudo, e depois do dia 17 de junho? 

As urnas gregas talvez derrotem os 'yes men' e tragam ao vocabulário da crise palavras como soberania, dignidade e direito ao desenvolvimento. Os correspondentes de Carta Maior em Paris e Berlim, Eduardo Febbro e Flávio Aguiar, constataram a diferença de tratamento dispensada a Alexis Tsipras em sua recente viagem aos centros de poder da UE (leia as reportagens nesta pág). 

O Syriza, a frente de esquerda anti-neoliberal pode até não se sagrar vencedora na diferença apertada dos votos. Mas a blindagem desfrutada pela riqueza financeira na UE, graças à austeridade suicida imposta a povos e nações, está definitivamente comprometida. Na cúpula desta 4ª feira, em Bruxelas, a França demarcou uma nova referência que implode a coesão ortodoxa cobrando sacrifícios de quem até agora só lucrou com a moeda comum. 

A Alemanha de Merkel personifica o privilégio nesse enredo de colapso e tensão. Mas a realidade que as urnas, cúpulas e ruas afrontam é mais ampla que seus personagens e ventríloquos oficiais. E é ela que se liquefaz e dissolve tudo o que parecia sólido na integração monetária européia. A Grécia tem dívidas da ordem de 400 bilhões de euros com governos, bancos e instituições. Na real, os papéis correspondentes a esses débitos não valem mais a cifra carimbada na face. 

Assim como não valem o que prometem as ações de bancos que tem títulos a receber da Grécia, bem como o patrimônio de corretoras e fundos que investiram nessa rede e assim sucessivamente. Merkel e a truculência ortodoxa formam o tampão dessa espiral dissolvente também conhecida como deflação de ativos. 

A ruptura do tampão no caso grego pode gerar perdas em cadeia da ordem de um trilhão de euros --duas vezes o fundo de estabilização financeira reunido por Bruxelas. Mas a Grécia, e os mercados sabem disso, é só o elo mais frágil da corrente: ao quebrar ele transfere toda a tensão da crise sistêmica para a alça seguinte.Quem será o próximo? 

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

LITERATURA

 

Maconha produzida no Nordeste já abastece 40% do mercado nacional, diz pesquisador

Por Genaldo de Melo Contrariando o senso comum de que o Brasil é apenas um consumidor ou uma rota do tráfico de drogas, a região do Nordeste já produz cerca de 40% de toda a maconha consumida no país. O dado foi revelado pelo sociólogo Paulo Cesar Fraga em entrevista à Carta Capital .  “Há um mito de que a maconha consumida no Brasil venha do Paraguai, de que não é um problema nosso. Na verdade, a agricultura familiar e tradicional do sertão nordestino já produz 40% da maconha consumida no país”, disse.  Na entrevista, Fraga refere-se ao chamado “Polígono da Maconha”, região do Nordeste composta por 13 cidades: Salgueiro, Floresta, Belém de São Francisco, Cabrobó, Orocó, Santa Maria da Boa Vista, Petrolina, Carnaubeira da Penha e Betânia, todas em Pernambuco, e Juazeiro, Curaçá, Glória e Paulo Afonso, na Bahia.  De acordo com o sociólogo, o plantio de cannabis na região deve-se, principalmente, ao baixo investimento de governos para o desenvolvimento daqueles municíp

KAFKIANOS NOVOS NO CONGRESSO

 Por Genaldo de Melo O adágio popular de que brasileiro não sabe votar, não se aplica a todos os cidadãos e cidadãs, mas é um fato a ser considerado em relação a uma grande parcela dos nossos eleitores. Ao observar o atual quadro de deputados federais dessa legislatura, a conclusão é infalível de que realmente parcela do povo brasileiro confunde politica com circo e com falta de inteligência e cultura para ser representante político. Na história política brasileira sempre houve folclore e aberrações no parlamento, mas dessa vez estamos diante de um absurdo kafkiano. Parcela dos deputados eleitos são mentecaptos, que estão no Congresso para agredir com insultos monossilábicos, berrar palavrão e passar vergonha em audiências públicas convocadas por eles mesmos, e confundir CPI com redes sociais. Nunca vi oposição sem apresentar a solução. Nunca vi deputado querer "lacrar" com seus próprios crimes. Nunca vi deputado propor CPI contra ele mesmo, ou sem fato jurídico def